Alois

11:22


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Ah, olá querida, estava mesmo esperando sua visita. Como está quente hoje, não?! Pedi pra me sentar um pouco aqui na varanda e me colocaram nessa cadeira dura... Incompetentes, me tratam como se eu fosse louca. Sente-se também, sinta-se a vontade. Você emagreceu? Parece um pouco pálida... Como está sua irmã? Ela não aparece aqui há tempos... Ela esteve aqui ontem? Oh, desculpe, devo ter me esquecido. Tenho esquecido muitas coisas ultimamente. Acho que são os primeiros sinais da idade. Mas você parece doente, está pálida. Emagreceu? Tem que se alimentar. Estava almoçando com o governador agora mesmo. Ele e meu marido são grandes amigos, sabia? Conhece meu marido? Ele saiu daqui há pouco. Tinha grandes negócios para tratar na cidade, mas logo estará de volta. Quem sabe você o conheça. Ele é um grande amigo do governador, que a propósito, esteve aqui na hora do almoço dividindo conosco a mesa. Não sei se sabe, tenho três lindas filhas. Tive um filho homem também, mas coitado, Deus o levou cedo. Gostaria que um dia você pudesse conhecer minhas filhas. São três. A mais velha tem o mesmo nome que o seu, Pilar. Por que está chorando? Ora, tome um lenço. Não fica bem pra uma senhora na sua idade chorar. Mas o que eu dizia? Ah sim, o governador. Veio até a nossa casa pedir alguns favores ao meu marido. Fiquei incrédula, ora, onde já se viu um homem tão importante depender de favores de pessoas tão simples como nós? Mas aí, eu te explico, ele e meu marido são amigos de infância e, você sabe, quando a coisa na nossa vida fica complicada é sempre bom recorrer à ajuda de um velho amigo. Coitado, é um grande homem, mas parece ser mais burro que essa mesa de centro. Paciência... Fale-me mais sobre sua vida! Casou? Teve filhos? Conte-me sobre seu marido! Seu nome é Acir? Ora, Acir é o nome do marido de minha filha Pilar... Filha? É você? O que aconteceu? Por que estou sentada nessa varanda? Quem são essas pessoas? Repouso? Doença? O que está dizendo? Onde está meu marido?


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Não sei por que vocês acham que eu preciso de ajuda pra tudo. Ora! É um tome cuidado de um lado, segure aqui de outro... Estou cansada de ser tratada como uma velha inválida. Se fosse a casa da família de meu marido isso não aconteceria. Na verdade, nem se eu precisasse de ajuda eu conseguiria. Minha sogra, que Deus ou o diabo a tenha, tinha um temperamento um tanto quanto ruim. Pra falar a verdade, ela era uma bruxa. Nunca gostou de mim. Queria que seu filho casasse com uma lady, ou algo do tipo, mas ele acabou se interessando pela italiana casca grossa aqui. Bruxa! Nos anos em que convivi com aquela velha rabugenta ela fez o inferno na minha vida. Não é a toa que seu marido partiu cedo... Acho que não aguentava mais viver no mesmo teto que ela. Vocês acham que eu sou difícil? É porque não a conheceram! Ah, com ela sim vocês teriam trabalho! Quando meu marido voltar do trabalho pedirei a ele que fale um pouco de sua querida mãe a vocês. É claro que ele fará um discurso engrandecendo sua eterna heroína, mas, no fundo, ele sabe que ela não passava de uma bruxa. A propósito, que horas são? Ele disse que viria me buscar para irmos ao teatro... Ou será que era ao cinema? Não consigo me lembrar. Na verdade... Do que estava falando? De repente tudo ficou confuso. Vocês sabem onde deixei meus sapatos de dança? Preciso deles. Meu marido logo estará aqui e me levará para dançar. Eu amo dançar. Vocês já foram dançar? Se não foram, deveriam. Uma mulher só encontra a felicidade verdadeira depois que tem uma dança com o homem que ama. Rosto com rosto, versos no ouvido, a mão dele na sua cintura... Onde será que ele está? Deve ter ficado preso no escritório de novo. Aquele escritório gosta dele. Às vezes acho que o escritório quer roubar meu lugar de esposa. “Estarei de volta logo”, ele sempre me diz ao sair, mas acaba sempre cedendo umas horinhas a mais ao capricho de ficar sentado naquela cadeira dura do escritório. Por falar nisso, que horas são? Logo meu marido estará aqui para, juntos, irmos ao parque...



3

Sabe, às vezes acho que estou morrendo. É estranho não ter certeza das coisas que estão acontecendo. Olhe pra você, uma estranha, e ao mesmo tempo sinto tanta familiaridade em você. Será que já nos trombamos pelos corredores da biblioteca municipal? Ou na quitanda da esquina? Ah, não consigo me lembrar... O que é isso? Tomar o quê? Remédio? Eu não estou doente! Vê se não me amole... Sabia que minhas filhas nunca ficam doentes? Essas três menininhas são mais fortes que touros. Já te contei que tenho três filhas? Já? Desculpe, Pilar... Quando estou longe do meu marido parece até que as coisas ficam embaralhadas na minha cabeça. Você poderia abrir a janela? Está quente aqui dentro, não acha? Sabe, Pilar, estou confusa. Essa aqui não é a minha casa... Não conheço todas essas pessoas. Não gosto de ficar no meio dos doentes. Não tenho nada contra os doentes, mas me sinto triste. Onde está meu marido, Pilar? Por que eu não consigo lembrar as coisas? Nossa... Feche essa janela, está frio! Hoje meu marido vai me levar ao parque, ou vamos ter um jantar na casa do governador. Não me lembro... Pilar, por que você está chorando de novo? O dia está tão bonito! Tão bonito que me dá vontade de ver o mar. Você já viu o mar, Pilar? O mar é como o amor: no começo nos dá calafrios, mas depois lava nossa alma até encontrarmos a paz. Acho que estou em paz. Que dia lindo! Mamãe deve estar preparando o almoço... Toda nossa família virá para comemorar o noivado de minha irmã. Sempre soube que ela casaria primeiro que eu. Será que vou encontrar um homem pra mim? Desculpe... Esqueci seu nome. Por que está chorando? Está um dia lindo lá fora. Um dia lindo para se apaixonar, não acha? Ah, eu queria conhecer o mar! Quero um homem que me leve pra conhecer o mar. Mãe? Mãe, acho que as visitas chegaram! Mãe? Minha mãe nunca me escuta... Acho que vou dormir um pouquinho. Você se importa de fechar as cortinas? Fique a vontade, e me acorde quando o céu chegar pra me buscar...  

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